Dra. Patricia de Rossi – Novembro/2019
As infecções do trato urinário (ITU) são muito frequentes em mulheres: mais de 10% apresentam uma infecção anualmente e pelo menos 50% terão um episódio de ITU ao longo da vida. A ITU tem grande impacto econômico em consultas, internações e medicamentos, pessoais – sintomas – e sociais (ausência ao trabalho).
Dentre as ITUs, cistite é muito mais frequente do que pielonefrite (aproximadamente 28:1). Considera-se cistite não complicada aquela que acomete mulheres jovens, não gestantes, e sem alteração anatômica ou funcional do trato urinário.
Em mulheres em idade reprodutiva, os principais fatores de risco para ITU estão relacionados à atividade sexual: relação sexual recente/frequente, novo parceiro sexual no último ano e uso de espermicida (diafragma/preservativos). Outras condições que aumentam a incidência de ITU são histórico de ITU na infância, antecedente materno de ITU, mudanças na microbiota vaginal (pós-menopausa, uso de antibióticos) e alterações no esvaziamento vesical (prolapso genital, incontinência urinária, disfunções miccionais).
As bactérias mais envolvidas na ITU são provenientes da flora intestinal. A enterobactéria mais frequente é a Escherichia coli uropatogênica (UPEC), responsável por aproximadamente três quartos das cistites não complicadas, seguida por Klebsiella pneumoniae e Proteus mirabilis. Dentre os gram-positivos, destacam-se Staphylococcus saprophyticus (segundo agente mais frequente nas mulheres jovens), Enterococcus faecalis e Streptococcus agalactiae (Strepto B).
A história típica de uma mulher com cistite é o desenvolvimento súbito de disúria, polaciúria, urgência miccional e/ou dor no hipogástrio. Outras queixas comuns são sensação de esvaziamento vesical incompleto, urina turva e/ou com odor fétido e hematúria. Por outro lado, mal estar, febre, náuseas, vômitos e queda do estado geral são sugestivos de pielonefrite.
O quadro clínico tem alta sensibilidade e especificidade no diagnóstico da cistite aguda. A presença de disúria, polaciúria, dor no hipogástrio e hematúria aumentam a probabilidade de ITU; em oposição, sintomas associados à infecção vaginal (corrimento, irritação vaginal ou vulvar – que podem causar uma disúria ‘externa’) reduzem a chance de cistite. De fato, uma revisão sistemática concluiu que a presença de pelo menos um sintoma urinário correlaciona-se a uma probabilidade de 50% de cistite (urocultura positiva) e que pacientes com disúria e polaciúria sem sintomas de vaginite têm aproximadamente 90% de chance de ITU. A sensibilidade do diagnóstico clínico é superior ao exame de urina I e às fitas reagentes (dipsticks), cuja utilização não colabora significativamente para o diagnóstico e, portanto, não é indicada.
A urocultura, padrão ouro no diagnóstico, não deve ser feita rotineiramente. Os casos em que o exame está indicado são gestantes, quadros atípicos, ITU recorrente, pielonefrite ou ITU com uso recente de antibióticos – em que a chance de bactérias resistentes aos antimicrobianos é mais provável. Nos casos sintomáticos, considera-se que a urocultura é positiva quando há 104 UFC/mL – uma vez que o quadro clínico já aumenta a sensibilidade e especificidade do diagnóstico de ITU.
Independentemente da necessidade de urocultura, o tratamento da cistite é empírico. Podem ser prescritos sintomáticos como fenazopiridina para disúria intensa, 200 mg por via oral a cada 8 horas, por até 48 horas. O uso prolongado pode levar a toxicidade, além do que tem o potencial de mascarar ausência de resposta ao tratamento antimicrobiano.
No tratamento antimicrobiano, o uso disseminado e muitas vezes indiscriminado de fluoroquinolonas levou ao aumento de resistência bacteriana a esses antibióticos – limitando seu uso em várias infecções, incluindo ITUs. Inclusive, nos anos 2000 essa categoria era indicada como uma das opções de primeira linha, tanto em dose única como em tratamento de curta duração (3 dias).
Atualmente, dois antibióticos são recomendados como primeira opção no tratamento da ITU não complicada na mulher: fosfomicina trometamol, 3 g em dose única, e nitrofurantoína, 100 mg 6/6 horas por 5 dias. Esses fármacos são usados somente para cistite e têm mecanismo de ação diferentes de outras categorias de antibióticos, o que dificulta o desenvolvimento de resistência bacteriana. Os medicamentos de segunda linha são cefuroxima, 250 mg 12/12 horas, e amoxicilina-clavulanato (500/125 mg 8/8h ou 875/125 mg 12/12h), ambos por 7 dias.
As fluoroquinolonas não devem ser usadas no tratamento da cistite não complicada devido à redução da sensibilidade aos uropatógenos e desenvolvimento de resistência bacteriana. Além disso, essas drogas podem causar efeitos adversos graves e debilitantes – a chamada Incapacidade Associada às Fluoroquinolonas (FQAD). Essa síndrome, em que pacientes saudáveis tratados com fluoroquinolonas evoluíram com condições incapacitantes e potencialmente irreversíveis, foi reconhecida pelo FDA em 2016 e motivou a publicação de uma recomendação de somente utilizar esses medicamentos para o tratamento de infecções graves .
Em pacientes com resposta satisfatória ao tratamento (melhora dos sintomas em até 48 horas), não é necessário fazer urocultura de controle – com exceção das gestantes, em que a persistência de bacteriúria significativa implica em novo tratamento dirigido pelo antibiograma.
Em resumo, o diagnóstico da ITU não complicada na mulher é feito pelo quadro clínico, não necessitando exames complementares. Urocultura com antibiograma deve ser colhido nas gestantes, ITUs recorrentes, pielonefrites e uso recente de antibióticos. O tratamento da cistite é empírico, com fosfomicina 3 g em dose única ou nitrofurantoína 100 mg 6/6 horas por 5 dias. Alternativamente, podem ser utilizados cefuroxima ou amoxicilina clavulanato por 7 dias.